quarta-feira, junho 30, 2010

A despedida - Capitulo I

27 de Outubro, Cunha Porã – SC, 14h 10min.


Era uma daquelas tardes abafadas apesar do céu estar nublado e fechado. Havia chovido a maior parte do dia, mas a imensa massa de ar quente típica da primavera deixou meu dia frio insuportável de calor. Eu estava me preparando para “a viagem”; assim, dessa maneira como eu prefiro pensar. Uma viagem que, a propósito, mudaria meu destino pelos próximos anos. Eu estava me mudando para o Rio de Janeiro em um período um tanto turbulento pra mim. Hoje faz três dias que perdi meu avô paterno. Desde que minha mãe foi para França, a única pessoa que se preocupou em cuidar de mim que eu me lembre foi ele. Meu avô foi meu maior exemplo de caráter, de simplicidade, de justiça, de generosidade que eu tive, ainda tenho. Meu avô, meu herói, em todos os aspectos é a pessoa que eu mais sinto em perder.
Eu também perdi meu pai aos cinco anos, mas, não tinha muita noção do que estava acontecendo, muito menos do que seria esse pesado e irreversível significado da “morte”. Era algo que fugia do meu universo mágico e infantil. Eu acreditei no que todos os adultos diziam: “ Ele foi morar com Papai do Céu e os anjinhos” e que eu poderia visitá-lo quando estivesse dormindo. Eu nunca consegui.
Meu pai foi assassinado durante uma viagem. O causador de sua morte ainda é um mistério.
Porém, minha vida não restou apenas dos que já se foram;
Minha mãe, sonhadora e inconseqüente ainda vive, e está realizando seu maior sonho; o de morar na França e de se casar com um francês. Acredito já ter até alguns irmãozinhos franceses por lá. Recebo telefonemas dela umas duas/ três vezes por mês.
E por falar em irmãos, tenho um irmão, sim! Um meio-irmão, na verdade. Seu nome é Carl, filho de meu pai com a antecessora de minha mãe, um casamento antigo.
Não posso dizer que o conheço como a palma de minha mão. Ele nunca me deu esse tipo de abertura, ou simplesmente não demonstrei o menor interesse, mas, conheço bem sua fama; ele é aquele tipo de pessoa vaidosa, gananciosa, egocêntrica, egoísta e materialista, onde sua maior prioridade é ele mesmo e só se associa com pessoas desse mesmo nível. Foram raríssimas as vezes que tive algum contato com ele ( e o gozado é que essas raríssimas vezes foi o suficiente para que nós reconhecesse-mos traços na personalidade um do outro através de pequenos gestos, atitudes, aparência e dizeres nesses pequenos contratempos. Apesar de irmãos, somos radicalmente diferentes, o oposto um do outro. A única semelhança que constatei entre ele e eu é que ele também é observador, porém, é mais ativo, mais especializado. As vezes meu dom de observação falha e eu fico excessivamente desatenta).
Retirando a temporada que ele passou na mansão do vovô durante três anos antes dele ir morar no Rio, porque eu nem era nascida, há três anos que não recebo nenhuma notícia dele. Seu ultimo contato foi um telefonema que nem ao menos era pra mim, apenas pediu que chamasse o vovô e tais foram às únicas palavras direcionadas a mim. A ultima vez que o vi foi há cinco anos quando flagrei uma discussão dele com o vovô trancados no quarto (nessa época ele ainda tinha a delicadeza de me presentear com jóias caríssimas e ouros para mim. Embora eu realmente não dê valor a essas coisas como ele, de toda a sua frieza como irmão considero essa a maior lembrança, quem sabe até demonstração de carinho dele por mim, porém nunca acertou no meu gosto), então se despediu de mim com um beijo na testa. Achei bastante estranho aquele fato. Era notável que ele tinha problemas com o vovô. Algum mistério mal resolvido. Vindo de Carl, o motivo só poderia ser um e o mesmo de sempre: grana.
Agora, eu estou abandonando ás pressas a mansão do vovô porque a primeira coisa que Carl providenciou após sua morte foi vender-la por uma boa fortuna para algum tipo de investimento no Rio; campanhas políticas ou quem sabe comprar a noiva para um investimento ainda maior? Carl era pretencioso.
Segundo ele, meu avô deixou a maior parte de sua herança para ele sem meu ressentimento. Ele, no entanto tem o compromisso de me sustentar no Rio de Janeiro de agora em diante. E é pra lá que estou mudando.
Eu me vesti como de costume, básico-alternativo-confortável. Coloquei uma camiseta canelada cor de “burro quando foge”, um verde-lodo, e por cima uma camisa de botão xadrez vermelha e amarrada nas pontas, uma calça jeans rasgada e tênis all star, o wayfarer preto conclui meu figurino na reserva, pendurando no cordão.

Eu olhei pela ultima vez meu companheiro quarto há sete anos.
Do lado de fora minha caminhonete chevy roncava cansada. Peguei o billy, meu gato Siemmens e o Frank, meu cachorro vira-lata que mais parece um Rusky Siberiano e todos os seus pertences: ração, casinha, brinquedos, e etc.
Ao contrário da típica aversão entre cães e gatos comuns, Frank e Billy se dão muito bem. A convivência forçou a amizade entre os dois tanto que se tornaram inseparáveis.
O mais difícil será ter que agüentar duas semanas sem eles.
Eu poderia passar duas semanas sem internet, duas semanas sem comer chocolate, duas semanas sem dvd ou sem TV, mas não sem eles. A caminhonete já não cabia nem uma agulha, coloquei-os na parte de traz da e prendi com a lona e claro, isso não é permitido. Levei-os assim até a casa de minha amiga e parceira de banda, Laly, como combinei. Ela irá cuidar deles nesse tempo e aguardarei até o dia em que ela for pro Rio. Em breve, eu espero.
Eu sei que Carl odeia gatos e detesta cachorros, mas não queira ele se encrencar com os meus bichos, sendo assim ele compra briga comigo.
Por segurança própria estou levando minha espingarda calibre 16 que meu avô me deu. Também Foi meu avô quem me ensinou atirar. Uma espingarda é sempre uma razoável ameaça.
Ali batendo um papo com meus bichos fiquei aguardando os novos proprietários da mansão. Eles chegaram em 15 minutos. Entreguei as chaves, e saí em direção á casa da Laly.
Eram 14 h 35 min quando olhei no celular apitando já por falta de bateria. Eu parei umas duas vezes pra conferir-los na cabine do carro que roncava ao som de Janis Joplin.
Laly também adora animais, ela tem um poodle chamado Frederico. Mais um companheiro para o billy e o Frank.
Laly já estava no portão quando cheguei. Ela sorria triste e forçado. Eu desci do carro dizendo:
"Você ouviu sua encomenda latindo e miando lá da esquina, foi?"  Eu disse tirando sarro.
Ela soltou um sorriso e disse:
"É! Deve ter sido."
Eu abri a lona e Frank saiu pulando e foi logo se enrabichando com Frederico. O billy recebeu os comprimentos de Frederico “riscando o fósforo”, por isso eu o peguei no colo:
" Argh, Frank! Que decepção! Ah!...Você confundiu o Frederico com uma moça só porque é capado, não é?"
Laly logo reagiu com evidente humor.
"hahahaha! Engraçadinha! To vendo que vou ter que aderir uma cartilha de boas maneiras pra vira-latas! Hahahah"
"boba!... "
Nos olhamos por um momento.
"Vou sentir tantas saudades..." _ continuei e fui erguendo os braços para um abraço, ela logo o correspondeu.
Ao olha-la novamente, sua expressão que antes era de zombaria e humor se transformou em um olhar triste, seus olhos brilhavam.
"você sabe que eu também... " ela botou pra fora.
Quando percebi que o brilho dos seus olhos estavam se transformando em lágrimas, rapidamente quebrei o clima de despedida levantando as expectativas:
"Mas eu to esperando você lá, ta? Nossa parceria é pra sempre. Lá no Rio é tudo mais fácil. A gente vai se dar bem lá. Pode acreditar."
"Tomara! E você já se despediu da galera? "
Ela disse entendendo minha mudança de assunto.
"Já sim, em casa liguei pra cada um e uma... Ainda não estou desnaturada, moçinha!
Sorri.
“Ainda” né? Só quero ver depois de uns cinco meses, um ano, dois... Como a senhorita vai estar...
Laly desafiou.
"Bom, contando que vocês estejam todos lá me enchendo o saco não será assim. Não quero que vocês fiquem esperando minha ligação, meu e-mail ou o que for. Quando sentirem minha falta, qualquer hora, qualquer momento é um grande momento pra falar com vocês. Sem essa de “só porque mudei agora sou outra Carolina”. Capich?"
"Pode deixar... Eu e a turma vamos ‘ta sempre por perto. Se a parada da casa da mãe do David der certo então, é ‘nóis’ na certa!"
"Conto realmente com isso, Láh!"
Sua expressão mudou, e ela parecia estar embaraçada, procurando uma maneira de me dizer algo:
"Cacau..." ela começou.
"Você sabe que se algo não der certo, se você quiser voltar pode vir na hora que quiser, quando quiser, nem precisa avisar, ok?"
"Eu sei, Lalica..."
"... Eu to torcendo muito, to vibrando por você nessa nova temporada. Não abandone a gente, cê sabe, a banda... e etc. Daqui um tempinho somos nós que estamos marcando presença lá, falou?" ela disse disparado.
Dentre as tantas afinidades entre eu e ela, a dificuldade de falar sobre sentimentos é uma delas.
Eu sorri substituindo um “sim”.
"Vou sentir tantas saudades de vocês... " eu disse.
Ela sorriu sem os dentes e nos abraçamos novamente com um fundo musical de “Au-Au-Au-Au” e “tsiiiiiiiiii”.
"Se cuida, ta?" Eu disse.
" 'Cê também, Cau."
E assim nos despedimos.
Eu voltei pra caminhonete e olhei com ternura meus filhotes brincando, registrando aquela cena na minha consciência, para mais tarde transformá-la em saudades. Bati a porta.
Laly ficou acenando pra mim. Rapidamente sua expressão mudou se apressando em dizer alguma coisa e gritou sorrindo:
"E quero ver quantos “gatos” cariocas tu vai me apresentar, hein?"
Já tava demorando pro seu velho e bom humor voltar á tona. [ esse negrito ta teimando comigo, não quer mais sair]
Eu notei o duplo sentido e respondi:
"Todos..." pausei pra continuar "... os que não são caçados por cadelas!" disse sorrindo.
Ela ficou rindo, então eu acenei e pisei no acelerador rumo ao Rio de Janeiro.
No carro, passei de Blues ao Rock and Roll até o punk rock e hard core. Do nada, senti vontade de ouvir “A despedida”, da Vera Loca.
Era bizarro o quanto o tempo estava cada vez mais quente no decorrer da viagem. 

Capítulo II - O Acidente - no Próximo Post


PS: É tosco, eu sei. Indiscutivelmente amador. Ainda assim, espero que gostem. Bjundas! =D


3 comentários:

  1. Aaaiii amiga.. que show!
    adorei, mas a propósito...
    ...estou com ciumes dessa Laly aii..
    bem q o noome podia ser Mila. hehehe...

    Ai amiga que saudades de vc!!
    Mtas mesmo!
    te amo..
    ..e sucesso nesse seu best-seller!

    Camila. ♥

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  2. Ual, você conseguiu me fisgar, simplesmente fascinante. Espero a continuação.

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  3. Muito bom o seu blog! Parabens! =D

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